domingo, 9 de agosto de 2009

Revista Época desmascara outra mentira de Sarney em discurso



A FARSA DO DOCUMENTO ROUBADO

Vídeo desmente afirmação do oligarca de que um repórter furtara documentos que o comprometiam

No esforço para permanecer na presidência do Senado, José Sarney decidiu fazer dos ataques à mídia uma parte decisiva de sua defesa. Na semana passada, ao subir à tribuna, ele se disse “vítima de uma campanha sistemática e agressiva” da mídia. Denunciou “mentiras,” “calúnias”, “montagens”. Falou em “acusações levianas”. Sarney lembrou que é acusado de ter criado 170 diretorias no Senado, quando, segundo afirmou, criou 23. Referindo-se aos 663 atos secretos, disse que “para a nação inteira parece que fui responsável por todos esses atos” e lembrou a cota de responsabilidade de seus oito antecessores. Às voltas com acusações de nomeações de parentes e protegidos, Sarney apontou 15 exemplos em que a denúncia era injusta, imprecisa e mesmo errada. Em todos esses pontos, é preciso reconhecer que Sarney tem uma boa dose de razão: ele não é o único senador que deve explicações à nação. Mas, no afã de defender-se, demonstra novas facetas problemáticas.

Na parte final de seu discurso, Sarney criticou os “métodos” da mídia para atacá-lo. Num dos exemplos – em suas palavras, “uma coisa lamentável” –, ele descreveu a visita de “um jornalista credenciado no Senado” ao escritório do empresário Jeovane de Morais, com quem ele se envolveu numa transação imobiliária. Sarney descreveu a cena com estas palavras: “Chega agredindo, dizendo ‘o senhor é laranja do Sarney, confesse!’ e rouba os papéis que estavam em cima da mesa dele e sai correndo”. Em seguida, brandindo um estojo plástico com um DVD em seu interior, Sarney fez um gesto dramático: “Isto está gravado aqui. A cena foi filmada e não deixa dúvida”. Afirmando não querer prejudicar as partes envolvidas, Sarney não deu o nome do repórter nem disse o nome do veículo para o qual trabalhava. Mas disse que a fita estava à disposição para maiores esclarecimentos.

O repórter que fez a entrevista é Andrei Meireles, que desde 2002 trabalha em Época. Andrei esteve no escritório de Jeovane em 30 de julho, em busca de informações sobre a Fazenda Pericumã, uma sociedade entre ele, Sarney e outros proprietários. As informações obtidas ajudaram a confeccionar uma reportagem sobre o assunto publicada na edição da semana passada de Época.

Sem avisar o repórter, Jeovane montou uma câmera de vídeo para registrar os diálogos e movimentos ocorridos durante o encontro. Época obteve o vídeo. Nas imagens e diálogos não há roubo, não há correria, não há fuga nem afirmações abusivas nem grosseiras. Há apenas o esforço de um repórter que tenta esclarecer uma compra mal explicada. Além de Jeovane, outras duas pessoas estavam presentes: Argeu Ramos, que trabalha com ele, e uma assistente. Andrei era o mais exposto, pois era o único que não sabia da filmagem. A câmara exibe diálogos, que sempre se iniciam com Andrei fazendo perguntas – todas de caráter técnico. Não exige confissões, muito menos com pontos de exclamação. A certa altura, Jeovane se queixa de que, na véspera, Andrei dissera que ele era “laranja” de Sarney. Andrei explica o contexto. Esclarece que, até aquele momento, Jeovane não identificara os outros proprietários da fazenda comprada em 2002 e que essa situação poderia defini-lo como um “laranja”. Andrei pergunta quanto cada sócio pagara em dinheiro por sua parte nas terras. Jeovane não responde.

Em determinado momento, num esforço para explicar melhor seus argumentos, Jeovane toma a iniciativa de entregar a Andrei vários papéis. Há uma pasta preta, com papéis em sacos plásticos, alguns outros soltos sobre a mesa e uma espécie de relatório encadernado. À vista de todos, Andrei folheia os documentos e examina detidamente esse relatório. Nem Jeovane nem os demais dizem que ele não poderia levá-lo consigo ao sair. O diálogo prossegue, até que Andrei se levanta. Depois de vestir o paletó e colocar o celular no bolso, Andrei pega o relatório encadernado, à vista de todos os presentes, e se dirige à porta. Jeovane vai com ele. Argeu Ramos, ao telefone, assiste a tudo.

A filmagem não termina aí. A assistente passa pela câmara e diz que não sabe como desligá-la. Argeu diz que não tem importância. Ele pega o celular e liga para Emmanoel Roriz, vizinho da fazenda, e diz que Andrei pode procurá-lo. Argeu diz para ele apenas negar a existência de “contrato de gaveta”. A assistente fica preocupada porque não encontra os documentos que Jeovane passara a Andrei. Os dois concluem que o repórter os levara. Em determinado momento, Argeu diz que Andrei é um repórter “perigoso, muito perigoso”. A assistente sai do escritório e volta dizendo que Andrei já foi embora.No dia seguinte, assessores de Sarney procuraram Época. Diante da alegação de que as informações do relatório não se destinavam a publicação – e como elas não eram essenciais para a reportagem –, Época decidiu não publicá-las. E o relatório foi devolvido.

Não foi o único embate recente entre a família Sarney e a mídia. Há duas semanas, atendendo a uma ação de advogados do filho de Sarney, Fernando Sarney, o desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), proibiu o jornal O Estado de S. Paulo de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica, que serviu de base para o indiciamento de Fernando Sarney pela Polícia Federal. Vieira tem relações próximas a Sarney. Ambos estiveram no casamento da filha de Agaciel Maia, em companhia de outro senador, Renan Calheiros. A ação contra o jornal produziu um exemplo lamentável de censura prévia, abolida no país pela Constituição de 1988. José Sarney afirmou que ela fora iniciativa exclusiva de seu filho, tomada sem seu conhecimento. Em sua acusação na tribuna na semana passada, Sarney revelou que seus conhecimentos parecem ser relativos.

Nenhum comentário: