quarta-feira, 24 de março de 2010

RELAÇÃO ENTRE FUTEBOL E ALCOOL


Por Sandro Moraes, especial para o Yahoo
Adriano é só a ponta do iceberg na relação futebol-álcoolO retorno de Adriano ao futebol brasileiro trouxe gols, visibilidade e um título para o Flamengo. Mas teve como efeito colateral a volta de antiga discussão: a relação entre alcoolismo e bola. “Dirigentes, técnicos, colegas de profissão e imprensa lamentam o acontecido, anunciam providências e, nas entrelinhas, responsabilizam exclusivamente o jogador diretamente envolvido que, na maioria dos casos é uma vítima. Ao invés de ser tratado corretamente como doente, é taxado como irresponsável que está jogando seu talento pela janela”, afirma Carlos Salgado, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas.

É algo tão arraigado na cultura do principal esporte nacional que, na biografia de Garrincha, o escritor Ruy Castro observa que toda grande equipe tinha alguém conhecido por entornar uma dose atrás da outra.

A história de Adriano colabora para toda a celeuma criada. O começo do enredo foi clichê, mas ganhou contornos de folhetim nos últimos tempos: menino de infância pobre vira astro do futebol, vai para grande clube da Europa e fica milionário. Até aí, nada de muito novo. Porém, no caso do atual artilheiro do Flamengo, a solidão fez com que ele passasse a beber exageradamente e quisesse “abandonar a carreira”. A aposentadoria precoce foi apenas desculpa esfarrapada para que conseguisse voltar a jogar no Brasil sem dar satisfações à Internazionale.

“Adriano tem problema com a bebida”, reconheceu o vice de futebol da Gávea, Marcos Braz. Foi a maneira que encontrou para explicar as constantes ausências do atleta nos treinos, assim como as visitas a bailes de funk nos morros cariocas e brigas com a nada pacata namorada, Joana Machado.



Era um dos segredos menos bem guardados do futebol. Um ex-companheiro do atacante na sua passagem de seis meses pelo São Paulo, em 2008, confidenciou a jornalistas que houve ocasiões que Adriano chegou ao CT da Barra Funda “com bafo de cachaça”. Isso às 9 horas da manhã.

Embora não admita publicamente o problema, ele é alvo fácil. Sua tumultuada vida pessoal passou a ser investigada pela imprensa. O jornal ‘O Dia’, do Rio, publicou reportagem em que relata orgias nas festas promovidas por Adriano. Relatos que deixariam o degenerado imperador romano Calígula com inveja. O ápice do “evento” patrocinado pelo imperador do Flamengo seria uma “exibição” de sexo entre um asno e um anão.

É bem verdade que o álcool hoje é menos tolerado, mas o flamenguista é só um exemplo. Trata-se somente do caso mais visível. Os bastidores da bola estão repletos de histórias de abusos e de problemas escondidos a todo custo do público. E atinge não apenas os jogadores.

Na época da parceria da Hicks Muse com o Corinthians, entre 1999 e 2002, o texano Dick Law, representante da empresa no Brasil, espantava-se com a conta de hotel a cada vez que a equipe se concentrava, especialmente nos dois últimos anos do contrato. Pesava no bolso do americano a lista de bebidas consumidas: a média era de R$ 3 mil. A tolerância com relação ao álcool era tão grande no clube que foi criada uma confraria, chamada de ‘culto’ pelos seus integrantes. E cada novo membro da irmandade tinha de ser batizado. Um dos mais veteranos, tanto no tempo de casa quanto na idade, chamado de ‘reverendo’, virava uma garrafa de uísque goela abaixo do ‘novato’, enquanto os outros gritavam em coro:

“Derrama, Senhor! Derrama, Senhor!”

Um médico, integrante do ‘culto’ depois passou a apresentar problemas mais sérios com o vício, chegando a ser alvo de protestos de conselheiros em outras equipes que trabalhou em São Paulo. Apesar disso, recusou-se a procurar ajuda com receio dos problemas do que a publicidade do seu caso poderia causar.

“Programas psicológicos, sociais e preventivos são raros (ou inexistentes) nos grandes times deste país”, completa Salgado.

Isso quando o dirigente não faz questão de olhar para o outro lado apenas para fazer de conta não saber do problema. Entre 2006 e 2008, um integrante da comissão técnica do Santos desenvolveu operação de guerra para evitar ser visto alcoolizado dentro do Centro de Treinamento. Cada vez que retornava ao clube, de madrugada, visivelmente embriagado, se escondia na capela por horas. Com certeza não ficava lá rezando. Mais de uma vez dormiu por ali mesmo, até que um segurança viesse resgatá-lo quando não houvesse risco de ser visto.

A Femsa, uma das principais fabricantes de cerveja do País, patrocina o G-4, união dos quatro grandes clubes paulistas. O garoto-propaganda é o padre Marcelo Rossi que encontra uma explicação inusitada para explicar sua ligação, como representante da Igreja Católica, com a cervejaria: “A Igreja proíbe as bebidas destiladas, não as fermentadas”. Ah, bom!

Dunga, técnico da Seleção, faz propaganda da Brahma, e a CBF já sinalizou a intenção de liberar a venda de álcool nos estádios durante a Copa de 2014.

Claro que é uma questão social que não aflige apenas os brasileiros. George Best, o maior jogador da história do Manchester United, morreu em decorrência do alcoolismo. Paul Gascoigne já foi interditado duas vezes por problemas psicológicos resultantes de anos e anos de porres homéricos. O governo "assumiu" o ex-meia do Tottenham e da seleção, reconhecendo que ele não poderia ser responsabilizado pelos próprios atos. Stephen Worgu, nigeriano que atuava no Al-Merreikh, do Sudão, foi condenado a 40 chibatadas por infringir lei que proíbe o consumo de bebida. Ariel Ortega, apontado como sucessor de Maradona, luta para controlar o vício que o impediu de atingir todo seu potencial. Tony Adams, ex-zagueiro do Arsenal e da seleção inglesa, publicou ‘Addicted’ (Viciado) um brutal relato do que ele mesmo chama de ‘inferno’ do álcool.



“A verdade é que quando tudo está bem dentro de campo, ninguém fala sobre nada disso”, disse Kléber Pereira, quando atravessava jejum de gols no ano passado.

O centroavante, hoje no Internacional, teve de responder a perguntas, em sua passagem pela Vila Belmiro, sobre seus hábitos etílicos. Eram comuns as histórias sobre suas idas a São Paulo para visitar bares. Mas ele tem razão quando observa que os boatos sobre sua vida noturna cessavam quando estava marcando gols.

Os jogadores detestam ter sua imagem associada à bebida. É compreensível. Mas isso não impede que suas peripécias circulem entre os que estão mais próximos do esporte. O ódio generalizado à concentração tem como pano de fundo a privação de fazer o que lhes vier à cabeça. Ronaldo, por exemplo, quando está longe do esporte e fora dos olhos dos jornalistas, bebe e fuma como se não houvesse amanhã. No fatídico episódio da visita ao bordel Pop’s Drinks, em Presidente Prudente, no ano passado, ele voltou ao hotel corintiano com uma prostituta a tiracolo e tropeçando nas pernas de tão embriagado. O caso se tornou público e custou o cargo do diretor técnico Antônio Carlos Zago.

Para ter liberdade até em locais onde tudo deveria ser mais regrado, alguns jogadores e técnicos montam operações de guerra para cometer abusos nas concentrações. Há treinadores que fazem questão da hospedagem sempre no mesmo lugar por causa disso.

Alguns até enxergam um lado divertido sobre o gosto pelo álcool. Beto, campeão brasileiro pelo Botafogo em 1995, foi jogar no Brasiliense no final da carreira. Peregrinava pelas boates do Distrito Federal e sempre dava seu cartão de visitas. “Você não me conhece? Eu sou o Beto Cachaça”.

É um caso raro. Negação é uma das etapas de quem perde a carreira com a contribuição do álcool. Se Garrincha, que nunca admitiu o vício, é o caso mais clássico, há outros. Pagão, um dos maiores jogadores da história do Santos, morreu de cirrose. Mesmo nos exemplos sem desfecho trágico, existe a tendência para minimizar o problema. Como Arinelson, revelação do Iraty, do Paraná, comprado pelo Santos em 1997 como futuro jogador de Seleção Brasileira. Não chegou a esse nível, em parte pelos constantes casos de atraso e relatos de festas regadas a uísque e cerveja. Tanto em Santos como em passagens posteriores pelo futebol carioca.

Adriano, em parte por ser quem é, virou a bola da vez. Seu caso traz à tona um problema antigo e que deve voltar às sombras assim que ele volte a jogar bem e fazer gols. Ou até o próximo escândalo.

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