domingo, 19 de julho de 2009

UM PAÍS DIVERTIDO


JANIO DE FREITAS
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Espetáculos de degradação como o do Senado se afiguram para a classe dominante brasileira como espetáculos
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RECESSO parlamentar. Uma denominação luxuosa para a aberração das duas férias anuais de senadores e deputados. Mas férias de quê? No Senado, mal se iniciara o ano legislativo e o espetáculo da temporada já em março dominava a Casa, com o desnudamento diário de mais um dos senadores. Férias? Desta vez, como de outras por outros motivos durante a ditadura, um intervalo para respirar. Se for possível. Cá do lado de fora, porém, a necessidade de oxigenação não é menor e é de efeitos mais graves.
Espetáculos de degradação como o do Senado se afiguram para a classe dominante brasileira como espetáculos mesmo. Motivo de diversão com toques de pasmo, como a súbita eclosão de palavrões ou de nudez em uma peça de refinamentos e sutilezas. Além da atitude de espectadores, nada. Nenhum interesse dos doutores da universidade, de entidades como a OAB e a ABI, dos intelectuais esparsos, para pensar por que são possíveis tantos escândalos de falta de ética e excesso de imoralidade. E para debater essa realidade e seu acelerado agravamento, para mudá-la ou, ao menos, torná-la tolerável.
O programa é sempre o mesmo. Explode o escândalo, segue-se a série de revelações, os de sempre as acompanham divertidos, mas com salpicados esgares de indignação que ficam sempre bem -e pronto, é só engatar no escândalo seguinte.
Não é apenas nos chamados poderes instituídos que se multiplica a degradação espetacular e consentida. Qual é a diferença entre o novorriquismo de Daslu e Tânia Bulhões e os camelôs vendedores de produtos piratas? Contrabando, sonegação de impostos, falsificações documentais, crimes a granel fazem o escândalo de uma loja daquelas, dois ou três anos depois uma outra vem demonstrar que o mesmo método criminal tornou-se modo consagrado de comércio, e no intervalo dos escândalos? Bem, houve um avanço: o Supremo Tribunal Federal, chocado com a inclusão de algemas no espetáculo da Daslu, proíbe-as nos escândalos vindouros do novorriquismo empresarial ou financeiro.
Em protesto contra a interferência de Lula no Senado, tanto em defesa do senador José Sarney como em ataque à CPI da Petrobras, disse o senador Pedro Simon que "o Lula companheiro, sindicalista, está hoje mais para general da ditadura do que para o Lula que um dia foi". É assim não só em relação ao Senado. O sistema institucional brasileiro está dissolvido. O governo se impõe pelas ditatorialescas medidas provisórias. O Congresso não tem mais função legislativa e política, sobra-lhe a produção de mensalões, severinos, nepotismo, agacieis, turismo internacional, comércio de cargos com a Presidência da República e, sempre, escândalos. Lula faz e diz absolutamente o que quiser, sem restrição legal, de compostura, de palavra, de poder. Os instrumentos de governo são utilizados às claras, e sem suscitar reação alguma, para criar uma candidatura à Presidência, para submeter partidos, para gastos bilionários, para privilégios amazônicos, para qualquer coisa.
De baixo para cima, a violência se multiplica, já de controle impossível nas cidades mais populosas, como resposta desordenada e furiosa à histórica e continuada violência de cima para baixo.
Em tal rumo, os destinos possíveis deste país riquíssimo podem situá-lo entre os mais proeminentes na economia mundial. Mas imoral, perverso, ignorante, corrompido -e divertido, segundo o gosto inconsciente de suas classes predominantes.