terça-feira, 28 de julho de 2009

Grampo liga Sarney a dono de empreiteira investigado pela PF


* Em gravação, Zuleido Veras, da Gautama – responsável por obra sob suspeita no Amapá –, diz que está indo à casa do senador; ele nega tê-lo recebido

* Em outra conversa, Zuleido, que foi preso durante a Operação Navalha, diz que a ampliação do aeroporto de Macapá “é obra de Sarney”

POR HUDSON CORRÊA
e LEONARDO SOUZA
Da Folha de S. Paulo

Em diálogos até agora inéditos, captados pela Polícia Federal com autorização judicial, o empreiteiro Zuleido Veras, dono da construtora Gautama, diz que não faltaria dinheiro para um empreendimento em Macapá porque “é obra de Sarney”. Numa outra conversa, em Brasília, Zuleido diz que já estava chegando à casa do senador. O empreiteiro foi o principal alvo da Operação Navalha, deflagrada em abril de 2007 para investigar fraudes em licitações de obras públicas. Ele foi preso ao lado de executivos e lobistas da empreiteira, indiciado por formação de quadrilha, corrupção e tráfico de influência e denunciado pelo Ministério Público.

As interceptações (veja transcrições dos trechos principais abaixo; escute áudio no portal do JP) são de julho e agosto de 2006. Na época, a construtora de Zuleido ampliava o aeroporto de Macapá. Trata-se da principal obra pela qual Sarney se empenhou no Amapá, estado pelo qual foi reeleito em 2006.

Obra do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) orçada em R$ 112 milhões, a ampliação do aeroporto de Macapá é alvo de outro inquérito, aberto em junho. A PF apura sobrepreço de R$ 17 milhões na obra, que era tocada pela Gautama e pela construtora Beter.

Já haviam vindo a público menções ao envolvimento da família Sarney com Zuleido, e se sabia, por exemplo, de referências à ocupante do governo do Maranhão, Roseana Sarney e conversas gravadas entre o empreiteiro e Ernane Sarney, irmão do senador.

No entanto, não havia até agora um elemento que ligasse diretamente Zuleido a Sarney. Em 4 de julho de 2006, o empreiteiro fala com uma pessoa identificada pela PF apenas como Mauro Viegas. [O Jornal Pequeno apurou que seria Mauro Viegas Vieira Filho, presidente executivo da Concremat Engenharia e Tecnologia S/A]. Ele afirma a Zuleido que está “uma turma aqui, o José Alcure, que vai estar em Brasília até amanhã sobre o assunto lá do Macapá, que você é o titular daquela coisa lá que está devagar”. [José Alcure não foi devidamente identificado no relatório, mas o Jornal Pequeno apurou ser José Alcure Neto, diretor executivo da Concremat].

”Tem uma porção de boatos. Aí eu botei lá, mobilizei minha turma mês e pouco atrás, achando que a coisa ia e a coisa está ali naquele marasmo”, reclama Viegas. “De concreto hoje mesmo parece que tem dez pratas pra gastar para todo mundo até dezembro”, diz.

Zuleido o tranqüiliza: “Acho que vai ser resolvido. (...) Com certeza, porque aquele negócio ali é obra de Sarney, não é um negócio que está solto, não”. Já no dia 9 de agosto de 2006, Zuleido diz às 17h33 que vai “chegar à casa do Sarney já, já”.

Naquele dia ele estava em Brasília e três horas antes havia marcado um encontro com uma pessoa que a PF identifica como Ernane - este é o nome do irmão de Sarney.

Há ainda uma terceira conversa envolvendo Sarney. Em julho de 2006, a diretora comercial da Gautama, Maria de Fátima Palmeira, fala com um homem identificado pela PF como “José Ricardo”. Ele diz que no momento da conversa estava no “gabinete do presidente Sarney” em Brasília e que viajaria depois “com o presidente”. “Vou no avião dele.”

[Nota do JP: Apesar desses e de outros indícios de envolvimento de integrantes da família Sarney com os negócios escusos de Zuleido Veras, nenhum membro do clã foi indiciado pela Justiça como resultado da Operação Navalha].

Veja os ‘grampos’ que ligam Sarney a Zuleido Veras, da Gautama

GRAVAÇÃO 1

(4 de julho de 2006)

Mauro Viegas – Dr. Zuleido? É o Mauro Viegas.

Zuleido Veras – Como é que tá você, meu irmão?

MV – Na luta, como Deus me deixa...

ZV – Mas tá deixando muito bem... Diga aí, Mauro.

MV – Eu tô com uma turma aqui, o José Alcure, que vai estar em Brasília até amanhã, sobre o assunto lá de Macapá, que você é o titular daquela coisa lá, que está devagar...

ZV – Verdade, verdade...

MV – E tem uma porção de boatos. Aí eu botei lá, mobilizei minha turma mês e pouco atrás, achando que a coisa ia, e a coisa está ali, naquele marasmo.

ZV – Certo.

MV - De concreto hoje mesmo parece que tem dez pratas pra gastar para todo mundo até dezembro.

ZV – É, mas eu acho que vai ser resolvido...

MV – Você acha que vai ser resolvido?

ZV – Com certeza, porque aquele negócio ali é obra de Sarney, não é um negócio que está solto, não.

MV – Eu sei, eu sei. Eu sei inclusive que você está fazendo uma festa danada em outras bandas por lá. Eu queria que você pensasse aqui no amigo pra gente trabalhar também...

ZV – Tá bom, vamos trabalhar juntos...

MV – Você tem vindo ao Rio?

ZV – Não... Só tem negócio aí pra Delta. Quando você vier praqui me procura.

MV – Eu vou na semana que vem.

ZV – Me procura. Eu estou sempre por aqui. Nas terças-feiras eu estou sempre aqui.

MV – Eu vou na terça que vem. Eu vou te ligar pra ver se a gente toma um negócio no final do dia aí...

ZV – Tá bom. Um abraço, Mauro.

MV – Prazer te falar... O José Alcure, qualquer coisa ele vai te ligar. Tá aqui na minha frente, é o nosso diretor.

ZV – Tá bom, dê um abraço nele...

GRAVAÇÃO 2

(9 de agosto de 2006)

Zuleido Veras (antes de atender o telefone) – Vou chegar na casa do Sarney, já, já...

ZV – Alô.

[Alguém que se identificaria como Bolívar] – Zuleido?

ZV – Quem é?

B – É Bolívar.

ZV – Marcaram uma reunião hoje na Infraero...

B – Não, a reunião seria amanhã de noite. O Alberto marcou comigo essa reunião amanhã de noite. Ele me ligou agora dizendo que o Adenauer chamou ele lá, que tava na frente do Adenauer e não podia falar comigo. Ele mudou toda a programação...

ZV – Ele é líder agora, é?

B – Não, não. Ele não é líder nada.

ZV – Por que tá fazendo esta reunião?

B – Não sei. Ele tinha marcado comigo. Queria falar com a Gautama e a Beter.

ZV – Ele é muito metido, rapaz. Ligue pro Adenauer, você não tem acesso ao Adenauer?

B – Tenho, tenho.

ZV – OK.

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